Aliança para o Brasil fracassa, e Bolsonaro busca sigla para 2022

Aliança para o Brasil fracassa, e Bolsonaro busca sigla para 2022

Sem conseguir as assinaturas necessárias para a criação da legenda Aliança pelo Brasil, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) precisa encontrar uma sigla que o receba caso queira ser candidato à reeleição em 2022, já que a legislação exige que candidatos sejam filiados a alguma agremiação política devidamente registrada na Justiça Eleitoral.


A missão, que pode parecer fácil, pois para algumas legendas seria vantajoso ter nos quadros o presidente da República, pode ser mais um desafio para Bolsonaro, que enfrenta desgaste político. 


Seja por condições exigidas pelo próprio presidente ou pelo receio que algumas legendas têm demonstrado em recebê-lo, o mandatário da República ainda não tem um horizonte definido para o pleito do ano que vem.


Nos bastidores de Brasília, negociações entre Bolsonaro e algumas legendas já foram ventiladas. Patriota, PMB, PTB e o próprio PSL foram especulados como possíveis partidos que abarcariam a candidatura do presidente em 2022. 


Bolsonaro foi eleito pelo PSL em 2018, mas deixou a sigla em 2019 por divergências internas. Graças à esteira bolsonarista, o partido, até então inexpressivo, conquistou a segunda maior bancada da Câmara dos Deputados, saltando de um parlamentar eleito em 2014 para 52 em 2018. 


O que parecia uma enorme vantagem para a sigla, trazendo a ela relevância nacional, sobretudo no campo da direita, acabou se transformando em um remédio amargo, em rachas e disputas de poder entre Bolsonaro, seu filho Eduardo e o presidente da sigla, deputado Luciano Bivar.


Internamente, alguns parlamentares do PSL, apoiadores de primeira hora do presidente, defendem um acordo para que Bolsonaro possa retornar à legenda. O próprio Bolsonaro já chegou a admitir a possibilidade de retorno e as tentativas de reconciliação. 


No caso do Patriota, a negociação parecia certa, uma vez que o presidente da sigla, Adilson Barroso, chegou a dar sinal verde para a filiação do presidente e de seus filhos. No entanto, como mostrou O TEMPO, as negociações esfriaram porque outros membros do diretório da legenda não teriam aprovado a ida de Bolsonaro. 


Fidelidade


O Patriota é base do governo no Congresso, e é unânime a avaliação de que o partido continuará sendo fiel a Bolsonaro, mas não é do agrado da maioria dos membros da sigla uma das condições impostas pelo presidente, de ter controle total da legenda à qual vai se filiar, inclusive tendo autonomia nos diretórios dos Estados, o que é rechaçado por parte majoritária da agremiação.


Já no PTB, Bolsonaro chegou a receber convite da bancada do partido, mas não houve nenhuma definição. O presidente da sigla, o ex-deputado Roberto Jefferson, é um dos apoiadores de primeira hora do presidente e já acenou em entrevistas a intenção de que Bolsonaro, que já foi filiado à sigla, volte à legenda e concorra em 2022 por ela.


No entanto, nos bastidores, a avaliação é que, com Bolsonaro, Jefferson perderia poder dentro da sigla e isso poderia não agradar ao trabalhista. 


O último nome ventilado foi o do Partido da Mulher Brasileira (PMB). Bolsonaro estaria em negociação até mesmo para mudar o nome da sigla caso se filiasse a ela. O PMB, atualmente, não possui nenhum deputado no Congresso Nacional.


Exigência de comandar legenda gera impasse


Parlamentares ouvidos pela reportagem acreditam que a demora em definir um destino está justamente nessa negociação de comando que Bolsonaro impõe às legendas. Para alguns, inclusive, é natural que o presidente queira e até mesmo precise ter o comando do partido em que estará filiado, uma vez que ocupará, e concorrerá, ao cargo mais importante do país.


Diante desse cenário, o clima entre alguns deputados apoiadores do chefe da República é de apreensão. Para os parlamentares, a falta de um planejamento pode impedir a reeleição do presidente e até mesmo que outros nomes conhecidos nas disputas eleitorais consigam sucesso nas urnas.


Para o cientista político e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Carlos Ranulfo, embora acredite que, se colocado na balança, para algumas legendas, a vantagem de se ter Bolsonaro supere a desvantagem, essa exigência do presidente de ter o comando total do partido pode ser um dificultador para a filiação, principalmente em siglas com estruturas maiores e diretórios mais sólidos.


“Em partidos grandes e tradicionais, mesmo partidos mais fisiológicos do centrão, como PP, você quando entra você não controla. No caso do PSL, ele achou que colocaria a sigla no bolso, mas chegou lá e viu que o partido já tinha um dono, o Luciano Bivar. Então, os partidos mais tradicionais nem devem querer receber Bolsonaro e nem é do interesse de Bolsonaro se filiar, pois ele não poderia ter comando total da sigla”, pontuou. 


Para o professor, o destino mais claro para Bolsonaro é se filiar a uma legenda nanica, sem expressão nem tradição. “Para esses partidos, é vantajosa a presença de Bolsonaro, já que ele ajuda a aumentar a bancada e, consequentemente, a trazer mais dinheiro para o partido e horário de TV. Hoje, o PSL está nadando em dinheiro. Ficou com a segunda maior porção do Fundo Eleitoral em 2020”, explicou. 


Ainda em sua avaliação, Ranulfo diz que o presidente não possui apreço por partidos, e a filiação seria feita por mera obrigação legal, já que a legislação não permite que se concorra a cargos eletivos de forma independente. 


“Ele não é uma pessoa com sentimento partidário, que acha importante construir partido. A relação dele com a sociedade se dá diretamente, ele não quer intermediação. É um populista, e para populistas não existe organização que intermedeie o diálogo com o público”, reiterou.


Trajetória marcada por trocas de partidos


Corroborando com análise do cientista político Carlos Ranulfo, a professora da pós-graduação em ciência política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Silvana Krause lembra a instabilidade partidária que marcou toda a carreira política de Jair Bolsonaro. 


“O discurso do presidente sempre foi anti-institucional, antinegociação, antipresidencialismo de coalizão. Em sua carreira como parlamentar, ele passou por sete partidos diferentes. Ele chega ao poder com a avaliação de que os partidos do Congresso não precisam ser observados para se governar. Apenas nos últimos meses ele parece ter percebido que precisa de apoio de partidos no Poder Legislativo”, ressalta.


Mudanças de partido não são novidade na vida política de Bolsonaro. Quando parlamentar, esteve filiado a PDC, PPR, PPP (que virou PP), PTB, PFL, PSC e PSL, conforme sua página no site da Câmara dos Deputados. 


Silvana Krause também credita à atual conjuntura de pandemia e crise econômica que o país passa essa dificuldade e demora do presidente Bolsonaro de encontrar alguma agremiação. 


“Essa dificuldade que o presidente encontra de criar um novo partido ou encontrar alguma legenda que o receba tem muito a ver com essa conjuntura de instabilidade enorme que o Brasil tem vivido, ante a pandemia, frente à incapacidade de governar, com rejeição aumentando. Então, claro, os partidos começam a ter cuidado em filiar um presidente que tem chances de reeleição mais diminuídas”, concluiu a professora. 


‘Família do presidente desistiu do projeto’, diz cientista político


Quase encerrado o prazo que o presidente Jair Bolsonaro deu para a criação do Aliança pelo Brasil, o projeto conseguiu apenas 86.251 assinaturas das 492 mil exigidas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para a validação do partido. O dado foi levantado, na última quinta-feira (25), no sistema do TSE. 


Diante desse cenário, já é tido como certo que, mesmo o partido estando apto para 2022, Bolsonaro não vai mais esperar e avalia se filiar a outra legenda. O Aliança está sendo criado para abarcar Bolsonaro, seus filhos e todos os apoiadores, no qual o presidente teria total comando das executivas. 


Na avaliação do professor da UFMG e cientista político Carlos Ranulfo, o fracasso do projeto Aliança pelo Brasil, somando-se à pandemia que o país vive, se deve a uma falta de empenho e liderança do próprio Bolsonaro. Para Ranulfo, foi uma surpresa o fracasso devido à capacidade de mobilização que o presidente possui. 


“Eu acho que faltou empenho do próprio Bolsonaro. Os filhos também não se dedicaram a isso, cada um acabou indo para um partido. O Bolsonaro e sua família desistiram do projeto. Porque, se eles tivessem jogado mesmo, usado toda a capacidade de mobilização que têm nas redes, o núcleo bolsonarista teria capacidade tranquilamente de mobilizar e conseguir essas assinaturas. Se não o fez, foi porque faltou direção e vontade política. Eu acho que os Bolsonaros desistiram do projeto”, ressaltou Ranulfo. 


Leis


Já a professora da UFRGS Silvana Krause aponta a cada vez mais exigente legislação eleitoral como uma das principais causas do naufrágio do projeto. 


“A Constituição estabelece um princípio de que todo partido para ser criado precisa de um mínimo de capilaridade nacional, afinal de contas um partido pode governar o país. Esse percentual vem cada vez mais aumentando na legislação brasileira, outros partidos também não conseguiram ser criados porque esbarraram nessa legislação”, afirmou Silvana Krause, destacando a pandemia também como fator dificultador. 


“Claro que a pandemia também ajudou. O Bolsonaro precisou focar outras questões e não se engajou como precisava na criação da legenda. E também as pessoas não se animam tanto em um contexto pandêmico”, completou.


Efeito Bolsonaro pode fazer partido crescer ou diminuir


O crescimento do PSL, partido que elegeu o presidente Jair Bolsonaro em 2018, foi vertiginoso. Na última eleição geral, a bancada da sigla na Câmara dos Deputados saltou de um para 52 parlamentares. O partido, que até então era inexpressivo, em 2020 ficou com a segunda maior porção do Fundo Eleitoral.


No entanto, na avaliação da professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Silvana Krause, esse crescimento é frágil, e na mesma velocidade e intensidade que esses partidos crescem, eles também podem diminuir.


“O impulso de um pequeno partido com essa característica é um impulso muito frágil, que pode ser o que chamamos de “Flash Party”, partidos que crescem e desaparecem, caem como um meteoro. O PSL ainda se sustenta porque, no ano passado, ainda havia uma indefinição, principalmente com a pandemia”, pontuou a professora. 


Dificuldade


Silvana Krause explica ainda que esses partidos políticos surgem muito em função de conjunturas específicas e depois tendem a ter muita dificuldade de se manterem quando a conjuntura muda. 
A professora da UFRGS também avalia o presidente Jair Bolsonaro como inábil no sentido de fortalecer o partido que o abrigou em 2018. 


“Ele (Jair Bolsonaro) tinha o segundo maior partido no Congresso Nacional, e você não ter habilidade de controlar essa bancada mostra bem que se trata de um partido muito frágil e tende a ter uma representação cada vez menor na próxima eleição”, conclui a cientista política.

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Foto de Rogério Anício