Mulher de 96 anos acusada de cumplicidade com nazismo foge em dia de julgamento

Mulher de 96 anos acusada de cumplicidade com nazismo foge em dia de julgamento

Quando tinha 18 anos, a alemã Irmgard Furchner se somou à equipe do campo de concentração nazista de Stutthof, no atual território da Polônia. Mais de seis décadas depois, sua cumplicidade no assassinato de cerca de 11 mil pessoas seria enfim julgada por um tribunal alemão—mas Irmgard, hoje com 96 anos, fugiu da casa de repouso onde vive antes que a audiência tivesse início.


A audiência marcada para esta quinta-feira (30) em um tribunal de Itzehoe, cidade do distrito de Steinburg, no norte do território alemão, seria realizada às vésperas do 75º aniversário do tribunal militar de Nuremberg, no qual o alto escalão do regime nazista foi julgado e 12 oficiais foram condenados à morte por enforcamento.


Até que os planos foram interrompidos. “A acusada fugiu, e um mandado de prisão foi autorizado”, anunciou o juiz responsável pelo tribunal. As acusações não podem ser lidas a menos que Irmgard esteja presente no tribunal. Ela fugiu em um táxi e foi encontrada quatro horas depois, mas o julgamento ainda não foi retomado.


Comitê Internacional de Auschwitz expressou indignação com a fuga. “Isso mostra desprezo pelo Estado de Direito e pelos sobreviventes”, disse o vice-presidente executivo, Christoph Heubner.


A alemã trabalhou como datilógrafa e secretária pessoal do comandante Paul Werner Hoppe entre junho de 1943 e abril de 1945. Os promotores do caso afirmam que Irmgard ajudou os responsáveis pelo campo de concentração a orquestrarem o assassinato sistemático de judeus, poloneses e prisioneiros de guerra soviéticos.


As provas, colhidas com base no trabalho de historiadores sobre o período nazista (1933 - 1945), contam com relatórios de ordens de deportação de prisioneiros para o campo de Auschwitz que Irmgard assinou com as iniciais “Di”, em referência a seu nome de solteira.


Sobreviventes do holocausto, alguns dos quais presos no campo de Stutthof na década de 1940, devem comparecer ao julgamento para prestar depoimento. Além das acusações de cumplicidade nos homicídios de mais de 11 mil pessoas, Irmgard também é acusada de ter sido cúmplice de 18 tentativas de homicídio. Ela é a primeira mulher a ser julgada em décadas por crimes relacionados ao nazismo.


A defesa da alemã argumenta que, como era secretária e tinha um trabalho restrito a papelada e organização, ela nunca teria violentado fisicamente os prioneiros do campo de concentração e, portanto, não poderia ser responsabilizada pelo assassinato de milhares deles. Ao todo, 65 mil pessoas foram mortas no local, que recebeu mais de 100 mil judeus e prisioneiros políticos de 28 diferentes nações.


Em entrevista à emissora pública alemã NDR, a historiadora Simone Erpel disse que o julgamento é importante por jogar luz na participação feminina no nazismo—algo, segundo ela, ainda pouco acompanhado. “O papel das mulheres e sua implicação no holocausto têm sido ignorados pela Justiça durante muito tempo.”


A secretária particular de Adolf Hitler, Traudl Junge, morta em 2002, nunca foi acusada formalmente pela Justiça alemã.


A condenação de um ex-guarda do campo de concentração de Sobibor em 2011 forneceu jurisprudência para casos como o de Irmgard, que envolvem cumplicidade com milhares de assassinatos mesmo que o julgado fosse um auxiliar, e não oficial, no campo nazista. John Demjanjuk foi condenado em 2011 a cinco anos de prisão. Ele morreu pouco depois, em 2012.


À NDR, Andrej Umansky, pesquisador e autor de livros sobre o holocausto, disse que a justiça, ainda que tardia, permite “dar voz às vítimas e às suas famílias”.


Na última semana, morreu aquele que era considerado o “último nazista no Canadá”: Helmut Oberlander, 97. O Estado canadense buscava, desde 1995, sua deportação, que estava prestes a acontecer. Ele se mudou para o país em 1954, anos após ter colaborado como intérprete para um esquadrão da morte nazista durante a invasão à antiga União Soviética.


Na próxima semana, terá início na Alemanha o julgamento de um ex-guarda do campo de concentração de Sachsenhausen, próximo da capital Berlim.

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